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16 de Abril de 2024

Terapeuta fala do orgulho de ajudar a 'libertar' remanescentes de último hospício de BH

Durante três anos e meio, Izabela entregou-se pessoalmente a um grupo dos 149 pacientes que vieram transferidos da Clínica Serra Verde, onde segundo relatos, viviam nus, misturados homens e mulheres, muitas vezes comendo com as mãos

Publicado por Glauco de Sa
há 8 anos

Algo especial no jeito de ser da terapeuta ocupacional Izabela Lopes, de 27 anos, chamou a atenção enquanto a jovem ajudava os últimos cinco internos da unidade Padre Eustáquio do Hospital Sofia Feldman a ser transferidos para uma casa com alpendre no Bairro Esplanada, em Belo Horizonte. Se algumas pessoas ainda manifestam preconceito contra quem faz terapia ou camuflam sua ida ao psiquiatra e o uso indiscriminado de remédios controlados, Bela transita com naturalidade pelos muros da loucura, sejam eles concretos ou sociais. “Conviver com a diferença nunca me deu medo, sabe? O transtorno mental não é uma doença. É apenas uma forma de se comportar. Penso que o louco assusta porque ele é uma figura de liberdade”, conta ela, que desde o maternal, era o tipo de criança que se aproximava daquele coleguinha isolado no pátio, com quem a maioria evitava brincar.

No último 2 de março, Bela deixou de ser mais uma integrante da equipe do último hospício a fechar as portas em BH. Em 2001, a capital mineira encampou a luta antimanicomial, iniciada pelo italiano Franco Basaglia na década de 1970, na Europa. “Acredito que a gente vai criando fragilidades para tentar justificar a exclusão dos homossexuais, dos negros, das mulheres. No caso do louco, porém, ele é alguém que está ali, mas que não participa da sociedade. É por isso que não sou apenas funcionária do Cersam Norte, sou mais uma militante da luta antimanicomial”, defende ela, que escreveu na parede do quarto, com tinta vermelha, a frase de um usuário da saúde mental: “Me empresta tudo o que resta, que te devolvo sonhos de sobra.”

Durante três anos e meio, Izabela entregou-se pessoalmente a um grupo dos 149 pacientes que vieram transferidos da Clínica Serra Verde, onde segundo relatos, viviam nus, misturados homens e mulheres, muitas vezes comendo com as mãos. No Sofia Feldman, os pacientes psiquiátricos foram acolhidos de maneira transitória, até que se adaptassem a ponto de ser transferidos para residências terapêuticas em BH ou nas cidades de origem. “Quando chegou ao anexo, Rosa (nome fictício) vivia suja, deitada embaixo de um banco e se arrastava como se fosse uma cobra. Eram pessoas tão desumanizadas que não adiantava eu tentar trabalhar questões de higiene, enquanto ela não entendesse que eu me importava com ela. Tentava sensibilizar com o afeto e, a partir daí, fazer as intervenções”, conta.

Depois de meses trabalhando com Rosa e outros 14 pacientes psiquiátricos, Izabela se recorda do dia em que conseguiu estabelecer uma conexão com a mulher, que tinha passado mais de 30 anos isolada na Clínica Serra Verde, apesar de ter família que a visitava, de dois em dois meses. “Não sei se ela percebeu minha existência antes, mas chegou um momento em que Rosa me puxou para perto e enfiou o nariz no meu cabelo. Fiquei paralisada, mas percebi que ela estava sentindo meu cheiro. A partir daí comecei a levar para ela perfumes e cremes cheirosos”, explica ela, que se despediu de sua paciente mais desafiadora com um urso tricotado por ela própria, nas cores rosa e lilás.

Além de ser crocheteira com página no Facebook (crochê da Bela), o que aprendeu a fazer com a mãe (a dona de casa Cristina), Izabela devolve as pressões psicológicas na percussão do bloco de resistência Tambolelê, que existe há 15 anos. “Para quem não tem sofrimento mental já é difícil suportar as pressões do trabalho, imagine para quem tem então. A pressão é maior ainda”, compara Izabela, lembrando que a comemoração do fechamento do último manicômio de BH está marcada para o dia 25 no espaço Suricato, uma incubadora de saúde mental que se transformou em uma espécie de bar e ambiente de convivência da cidade onde os frequentadores são atendidos pelos pacientes de saúde mental. “Gosto da palavra louco, acho forte. Pois precisamos conviver com os loucos na padaria, nas praças, nas ruas”, defende.

VIOLÊNCIA

Referência da luta antimanicomial no Brasil, BH tenta desmistificar a ideia do louco perigoso que, segundo Izabela Lopes, é reforçada por lendas urbanas como o 'homem do saco' ou a 'maria doida', capazes de levar embora de casa as crianças mais bagunceiras. “Em oito anos em que convivo diretamente com os pacientes, seja no estágio ou no trabalho, nunca presenciei uma cena de violência gratuita e chocante. Ao contrário, via violência no tratamento que era dado a eles. O hospital brigou comigo no dia em que avisei que o cabelo da Cláudia não seria mais raspado. Dentro de um hospital, eles não tinham direito a escolher uma roupa para vestir, a comida ou o lugar onde dormir”, explica a moça de piercing no nariz e tatuagens de pássaros e flores no corpo e que aparenta leveza na voz e no espírito.

Bela avisa que, apesar dos avanços, é preciso manter o alerta ligado para a reforma psiquiátrica, porque os manicômios, segundo ela, são lucrativos, custam muito mais barato e dão menos trabalho do que estruturas como os Cersams. “É preciso de muita mobilização social para evitar a volta dos manicômios. Primeiro, é preciso conseguir acabar com os hospitais. Depois, é necessário ampliar a rede de Cersams, mais incubadoras sociais e outros equipamentos. A rede ainda precisa crescer, mas os centros de referência aceitam o tratamento por ambulatório, a permanência do paciente por até uma semana e a hospitalidade por tempo indeterminado em momentos de crise, desde que seja comunicado ao Ministério Público”, revela ela, lembrando que nos primeiros semestres da faculdade ofereceu-se para trabalhar gratuitamente nos Cersams, lugar onde ela realmente se sentia bem. “Recebi muito, apesar de não ganhar dinheiro”.

Fonte: Estado de Minas, por Sandra Kiefer

Terapeuta fala do orgulho de ajudar a libertar remanescentes de ltimo hospcio de BH

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