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25 de Abril de 2024

‘Sou plena, feliz e existo porque minha mãe não optou pelo aborto’, diz jornalista com microcefalia

Médicos disseram que Ana Carolina Cáceres não sobreviveria; hoje ela tem 24 anos, mantém blog, toca violino e defende discussão informada sobre aborto.

Publicado por Glauco de Sa
há 8 anos

Ana Carolina Cáceres, de 24 anos, moradora de Campo Grande (MS), desafiou todos os limites da microcefalia previstos por médicos. Eles esperavam que ela não sobrevivesse. Hoje, Ana tem 24 anos. Neste depoimento, ela defende uma discussão informada sobre o aborto.

Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada.

"No dia em que nasci, o médico falou que eu não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor que a média. O doutor falou:" ela não vai andar, não vai falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer ".

Ele - como muita gente hoje - estava errado.

Meu pai conta que comecei a andar de repente. Com um aninho, vi um cachorro passando e levantei para ir atrás dele. Cresci, fui à escola, me formei e entrei na universidade. Hoje eu sou jornalista e escrevo em um blog.

Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!).

Com a explosão de casos no Brasil, a necessidade de informação é ainda mais importante e tem muita gente precisando superar preconceitos e se informar mais. O ministro da Saúde, por exemplo. Ele disse que o Brasil terá uma 'geração de sequelados' por causa da microcefalia.

Se estivesse na frente dele, eu diria: 'Meu filho, mais sequelada que a sua frase não dá para ser, não'.

Porque a microcefalia é uma caixinha de surpresas. Pode haver problemas mais sérios, ou não. Acho que quem opta pelo aborto não dá nem chance de a criança vingar e sobreviver, como aconteceu comigo e com tanta gente que trabalha, estuda, faz coisas normais - e tem microcefalia.

As mães dessas pessoas não optaram pelo aborto. É por isso que nós existimos.

Não é fácil, claro. Tudo na nossa casa foi uma batalha. Somos uma família humilde, meu pai é técnico de laboratório e estava desempregado quando nasci. Minha mãe, assistente de enfermagem, trabalhava num hospital, e graças a isso nós tínhamos plano de saúde.

A gente corta custos, economiza, não gasta com bobeira. Nossa casa teve que esperar para ser terminada: uma parte foi levantada com terra da rua para economizar e até hoje tem lugares onde não dá para pregar um quadro, porque a parede desmancha.

O plano cobriu algumas coisas, como o parto, mas outros exames não eram cobertos e eram muito caros. A família inteira se reuniu – tio, tia, gente de um lado e do outro, e cada um deu o que podia para conseguir o dinheiro e custear testes e cirurgias.

No total, foram cinco operações. A primeira com nove dias de vida, para correção da face, porque eu tinha um afundamento e por causa dele não respirava.

Durante toda a infância também tive convulsões. É algo que todo portador de microcefalia vai ter - mas, calma, tem remédios que controlam. Eu tomava Gardenal e Tegretol até os 12 anos - depois nunca mais precisei (e hoje sei até tocar violino!).

Depois da raiva, lendo a reportagem com mais calma, vi que o projeto que vai ao Supremo não se resume ao aborto. Eles querem que o governo erradique o mosquito, dê mais condições para as mães que têm filhos como eu e que tenha uma política sexual mais ampla - desde distribuição de camisinhas até o aborto.

Isso me acalmou. Eu acredito que o aborto sozinho resolveria só paliativamente o problema e sei que o mais importante é tratamento: acompanhamento psicológico, fisioterapia e neurologia. Tudo desde o nascimento.

Também sei que a microcefalia pode trazer consequências mais graves do que as que eu tive e sei que nem todo mundo vai ter a vida que eu tenho.

Então, o que recomendo às mães que estão vivendo esse momento é calma. Não se desespere, microcefalia é um nome feio, mas não é esse bicho de sete cabeças, não.

Façam o pré-natal direitinho e procurem sobretudo um neurologista, de preferência antes de o bebê nascer. Procurem conhecer outras mães e crianças com microcefalia. No próprio Facebook há dois grupos de mães que têm um, dois, até três filhos assim e trabalham todos os dias tranquilas, sem dificuldade.

Caso o projeto de aborto seja aprovado, mas houver em paralelo assistência para a mãe e garantia de direitos depois de nascer, tenho certeza que a segunda opção vai vencer.

Se ainda assim houver pais que preferirem abortar, não posso interferir. Acho que a escolha é deles. Só não dá para fazê-la sem o mais importante: informação.

Quanto mais, melhor. Sempre. É o que me levou ao jornalismo, a conseguir este espaço na BBC e a ser tudo o que eu sou hoje: uma mulher plena e feliz.

*Este depoimento é resultado de uma conversa entre o repórter da BBC Brasil Ricardo Senra e Ana Carolina Cáceres. E começou com um comentário da jovem no perfil da BBC Brasil no Facebook.

Fonte G1

Sou plena feliz e existo porque minha me no optou pelo aborto diz jornalista com microcefalia

Sou plena feliz e existo porque minha me no optou pelo aborto diz jornalista com microcefalia

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Magdalena era viúva, já tivera um filho, e agora casara-se com Johann. Ele sifilítico e ela tuberculosa. Apesar das complicações acarretadas pelas suas doenças sérias e graves para aquele tempo, onde a medicina anda barrava as raias da alquimia e o empirismo, o amor entre os dois falava mais alto, resolveram de comum acordo, apesar de todas as circunstâncias contrárias, tentar uma gravidez. A grande frustração veio quando o filho nasceu cego. Resolveram tentar nova gravidez. As pessoas mais íntimas alertavam; os médicos sugeriam o aborto... Eles resistiram. Foram firmes até o final da gestação. E no dia 16 de dezembro de 1770, nascia na Alemanha, Ludwig van Beethoven. continuar lendo

Informação é tudo! Confesso que antes de vir depoimentos como esses, eu acreditava que toda criança que nasce com microcefalia estaria fadada à um futuro cheio de privações, como não poder andar, falar.. Mas depois de ver casos como esses, a esperança se renova. Que o governo, antes de incentivar o aborto, dê todo tipo de informação aos pais, para que eles tomem a decisão mais sabia. Excelente matéria! continuar lendo

Me aterroriza pensar que operadores do Direito, que estudaram e aprenderam que o maior patrimônio que um ser humano tem é a vida, ainda pensem na possibilidade de tirá-la de um ser indefeso, pelo simples fato dele não ter as características estereotipadas pela nossa sociedade preconceituosa. Em que nos transformaremos no futuro? Em Hitler? Vamos nos utilizar da tecnologia para aniquilar fetos que não se enquadrem no padrão? Triste pensar nas incertezas que nos esperam. continuar lendo

O texto já disse tudo : INFORMAÇÃO. Depois disto deve prevalecer o direito de escolha, intransferível continuar lendo

Uma pena que os indivíduos que nasceram com microcefalia e foram afetados não possam se pronunciar, né?
Estatisticamente, Ana Carolina é uma exceção. Não fosse, nenhum médico, em pleno gozo de suas faculdades mentais, recomendaria o aborto! continuar lendo